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‘O homem razoável’ é o título de um dos 23 ensaios do meu e-book publicado em novembro de 2016 pela Amazon. Escolhi esse tema por dois motivos. O primeiro foi a curiosidade que tive quando encontrei o tema pela primeira vez, quando trabalhava como intérprete num processo de acidente de trabalho. O segundo foi a realização do quão importante é o homem razoável para o bom funcionamento do Estado, e portanto da sociedade. É claro que a sociedade não pode prescindir dos indivíduos excelentes e dos gênios, mas ela precisa também do homem razoável, que, por conhecer-se a si próprio, sabe reconhecer a excelência e a genialidade. Em contraposição ao homem razoável há o homem medíocre, que não conhece a si próprio, e cuja zona de conforto é a mediocridade.
A ideia do homem razoável pode ser traçada desde a Antiguidade. O correspondente da razoabilidade na antiga Grécia era a phronēsis (φρόνησις), ou sabedoria prática; o homem razoável da antiga Grécia era o homem de phronēsis. No seu livro Menon, Platão mostra um diálogo de Sócrates no qual este afirma que a phronēsis é o atributo mais importante para se aprender, embora não possa ser ensinado e tenha que ser adquirido através do autodesenvolvimento. Para Sócrates, o homem possuidor da phronēsis era aquele capaz de discernir como e por que agir virtuosamente e, ainda, encorajar essa virtude prática noutras pessoas.
No final da Idade Média, o filósofo Baruch Espinosa (1632-77) escreveu que não há nada mais útil no mundo do que um homem razoável. Espinosa definiu o homem razoável como sendo aquele que cultiva o autoconhecimento. Para ele, tal objetivo não torna o indivíduo mais especial ou menos humano, e, sim, perfeitamente humano. Quanto mais razoáveis os homens, mais úteis se tornam à sociedade. Pela mesma tabela, a sociedade é tanto mais virtuosa quanto maior for a sua riqueza em cidadãos razoáveis.
A descrição que Espinosa deu do homem razoável está mais para o homem excelente de Adolphe Jacques Quételet (1796-1874) e Max Weber (1864-1920) e do super-homem de Friedrich Nietzsche(1844-1900), do que para o homem médio do direito inglês. Este é descrito como sendo um indivíduo de um nível educacional razoável, porém comum; o seu presumido nível educacional não é o superior mas o médio; possui um nível de educação que o permite arrazoar com certitude acerca das questões práticas do dia a dia.
Quando, em 1903, os legisladores da Inglaterra e do País de Gales incorporaram o conceito do homem razoável no direito, a imagem deste era a de um proverbial passageiro dentro do ônibus de Clapham, então um tranquilo subúrbio de Londres e local de residência de ingleses da classe média. Acontece que Clapham mudou completamente com a expansão de Londres após a Primeira Guerra Mundial. Tal expansão foi maior no curso do Tâmisa, pois amalgamou uma grande quantidade de cidadezinhas que até então possuíam uma existência independente. Os moradores de Clapham também foram mudando, incluindo o proverbial passageiro do ônibus. Se escolhêssemos aleatoriamente um ônibus que faz o trajeto de Clapham para Camdem, outro ex-subúrbio amalgamado à Grande Londres, é muito provável que a maior parte dos passageiros seria formada por estrangeiros que trabalham no setor de serviços. Pode ser que muitos desse indivíduos sejam razoáveis, mesmo que não pareçam em nada com o inglês no ônibus de Clapham em 1903.
Todas as pessoas que valorizam a democracia precisam refletir mais sobre o homem razoável ou o homem médio de suas sociedades. É ele medíocre ou razoável? Se medíocre, como fazer para torná-lo razoável?
Joaquina Pires-O’Brien é uma brasileira que estudou no Brasil, nos Estados Unidos e na Inglaterra, e obteve seu PhD pela Universidade de Londres em 1991. Publicou os seus primeiros ensaios e resenhas na revista Contemporary Review, entre 1999 e 2008, e a partir de 2010, em PortVitoria, revista eletrônica de atualidades centrada na cultura ibérica, que ela própria fundou e continua a editar (www.portvitoria.com). Em 2016 ela publicou o ebook O homem razoável e outros ensaios (2016), uma coleção de 23 ensaios sobre os mais diversos temas da civilização ocidental, disponível em todos os portais da Amazon. US$ 9,99. homem no ônibus de Clapham, filosofia do direito
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